Gonçalo Tocha - não há pilim para o trazer, publicar entrevistas que deu é de borla

É NA TERRA, NÃO É NA LUA
3ªf, IPJ, 21h30

Sócios 2€, Estudantes 3,5€, Restantes 4€

Como surgiu este filme?
Quando terminei o meu primeiro filme, o Balaou, em 2007, fui mostrá-lo em São Miguel e, nessa altura, surgiu um convite para ir ao Corvo na perspectiva de, talvez, fazer qualquer coisa lá. Com o Balaou já tinha dito que, provavelmente, não ia fazer outro filme. O Balaou já me tinha enchido tanto que não sentia essa necessidade. Mas de repente surgiu este chamamento, um eco que me sugeria voltar aos Açores e aprofundar a minha relação com o arquipélago.

Já conhecia o Corvo?
Não, e por isso é que o filme começa com a minha chegada à ilha. A minha família é de São Miguel e eu ia lá todos os anos com a minha mãe. Esse imaginário dos Açores marcou-me sempre muito. Sobre o Corvo sempre me interessou a ideia distante que fazemos da ilha sem nunca lá termos estado.

Fez pesquisa antes de ir?
Não, porque não queria descobrir o que era o Corvo por antecedência. Esse processo de descoberta faz parte do filme.

Fez o filme só com um amigo. Como foram recebidos?
A população protege muito a imagem do Corvo e a grande desconfiança foi logo que imagens íamos fazer. Mas como eu sabia que ia ter muito tempo, joguei com isso. Acho muito interessante que uma câmara apareça no meio de uma realidade e que registe coisas muito profundas porque deixamos que elas aconteçam. Eles perceberam que havia, finalmente, uma equipa de rodagem com tempo para eles.

Porque optou por este registo que mistura diário pessoal com documentário?
Todo o cinema e experiência cinematográfica tem de ter uma implicação pessoal. Isso não significa ser autobiográfico, mas sim colocarmo-nos dentro daquela realidade. No Corvo isto ainda era mais evidente. De que forma podia filmar a população do Corvo sem mostrar que estávamos todos ali, em jogo? É por isso que o filme não é só sobre o Corvo. É um microcosmos que tem muito de laboratório humano, onde eu próprio, como pessoa e como realizador, cresci.

O filme tem imagens imperfeitas. Foi propositado?
Não considero imperfeitas, mas sim coisas que acontecem pela forma como estou a filmar. Por exemplo, há um plano em que está a chegar um avião e a câmara mexe-se imenso. Aquilo está muito mal filmado porque eu ando com a câmara no tripé à procura do ângulo certo. Durante muito tempo tentei cortar e ficar com a imagem limpa, mas de repente pensei: ‘Porque estou a tirar isto? Estou a esconder que fiz o plano assim?’ Essa também foi uma preocupação: não ter medo de assumir a maneira como foi filmado.

Ao longo do filme, a câmara integra-se na população…
Isso é que faz o filme! Duas pessoas sozinhas a tentar fazer um filme perante uma comunidade de 440 pessoas, assumindo totalmente a sua presença. Nunca quis ser neutro e distante para, do meu posto de observação, perceber o Corvo. Isso seria uma armadilha. A grande possibilidade era assumir o que estávamos a fazer e, aí sim, as coisas podiam acontecer. Eles sabiam que quando estavam a falar comigo a câmara e o microfone estavam sempre ligados.

Disse que o cinema tem de ter sempre uma implicação pessoal. Só se vê a fazer filmes assim?
Os filmes de que gosto são experiências únicas e eu não quero fazer um filme todos os anos. Quero fazer filmes que sejam um marco da minha passagem nesta vida e que seja uma experiência fortíssima, mesmo que depois nem sequer haja filme. No Corvo cheguei a pensar várias vezes que não ia haver filme, mas houve sempre uma experiência cinematográfica forte. Algo que me superou, que eu não controlei e que me surpreendeu.

Numa entrevista que deu em Agosto, a propósito da estreia mundial do filme no Festival de Locarno, na Suíça, perguntaram-lhe se é cineasta e não soube responder. Já sabe?
Não sei… Acho muito mais relevante saber se vou fazer outro filme e de que maneira é que o vou fazer. E a isso nem eu sei ainda responder.

Dedicou quatro anos da sua vida a este filme. Financeiramente como foi possível?
Não fiz contas, mas o orçamento deve ter sido de 15 mil euros. É ridículo para um filme destes. Consegui fazê-lo porque tive apoio de uma associação que, entretanto, desapareceu, e tive uma equipa muito pequena de amigos que acreditavam no que estava a fazer. Além disso, vendi o Balaou para a RTP2 e o Arte e assim consegui acabar o filme.

Como se vive do cinema documental?
Não se vive. Com o cinema só gasto dinheiro. Vivo do meu trabalho como freelancer. Trabalho em vídeo para os Deolinda, faço oficinas de vídeo e sou músico.

Como começou no vídeo?
Comecei a ver imenso cinema na adolescência. Depois, já na faculdade, ia todos os dias à Cinemateca. A minha principal formação foi essa, a de ver muito. A outra foi ver o mundo. Fui aos quatro cantos do mundo porque o meu pai trabalhava na TAP. Depois, na Faculdade de Letras, onde estudei Língua e Cultura Portuguesa, criei um cineclube e esse foi o ponto-chave da minha formação. Organizar ciclos de cinema, workshops de vídeo e documentário e lidar com realizadores que iam lá apresentar os seus filmes permitiu-me ter um contacto directo com este meio. A parte prática surgiu com a oportunidade de adquirir material técnico para o cineclube. Comecei a mexer nas câmaras, a aprender sozinho. Fiz muitos pequenos vídeos e em 2005, quando fui aos Açores fazer o luto da minha mãe, levei a câmara e comecei a filmar. Senti que estava a desabrochar uma paixão nova e assim surgiu Balaou.

Não premeditou então a carreira no cinema?
Não, houve um chamamento qualquer e é mesmo assim que funciono. Sempre que tento planear um projecto nunca corre bem.

Na música também é assim?
Os projectos na música sim, mas a música enquanto criação artística foi a primeira coisa que surgiu. Comecei a compor por volta dos 13 anos porque estava deprimido e a música é a melhor forma de catarse na adolescência.

Teve os Lupanar, com a Ana Bacalhau dos Deolinda, e agora canta sob o nome de Gonçalo Gonçalves, um cantor romântico à moda antiga. Como é que ele apareceu?
Surgiu da minha paixão pelos cantores românticos, aquela ideia de que os cantores não têm época, nem idade e misturam vários estilos.

O Gonçalves é um alter ego do Tocha?
Não. Os dois são o mesmo, sou eu. Este é o tipo de música que oiço em casa: coisas românticas, exóticas e com teclados. Se vejo um vinil de artistas como o Klaus Wunderlich [alemão, considerado o rei dos teclados], o Martin Denny [cantor exótico do Havai] ou o Roberto Carlos tenho de os comprar. Há ali ideias maravilhosas.
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Alexandra Ho, Sol

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