Memórias de Sassetti estiveram na génese de «Suite para Dom Roberto» . Encomenda do Cineclube de Faro.

O compositor falou com o «barlavento» sobre o processo criativo por detrás da obra «Suite para Dom Roberto», que se estreou na passada semana em Faro.

Da participação de apenas 43 pessoas e da abertura de um compositor nasceu uma obra musical para enriquecer o espólio do cinema português.

A obra «Suite para Dom Roberto», criada por Bernardo Sassetti por encomenda do Cineclube de Faro, teve a sua estreia absoluta na passada sexta-feira, num espectáculo que teve lugar no Teatro das Figuras, em Faro.

Este foi o fecho com chave de ouro das comemorações do 50º aniversário da associação algarvia. Mas foi também uma ocasião para Bernardo Sassetti, Alexandre Frazão e Carlos Barreto comemorarem os dez anos do trio que formam, que tem o nome do compositor.

O «barlavento» falou com Bernardo Sassetti no dia da estreia da suite. A obra musical foi inspirada no filme «Dom Roberto», de Ernesto de Sousa, que acabou por ser uma surpresa agradável para o músico português, que o considerou «uma maravilha».

«Ao início, esta era para ser uma suite sinfónica. Mas eu achei, logo desde o princípio, que nenhuma orquestra, pela minha experiência, podia dar uma dimensão humana forte à música», contou.

«Vi o filme várias vezes e da terceira vez que pus o filme a rodar, tirei o som. A partir daí, comecei a imaginar temas, que fui escrevendo. Alguns não foram utilizados, mas cheguei ao consenso de que queria criar um tema que estivesse muito ligado ao universo da música portuguesa e, ao mesmo tempo, ao universo da música de cinema italiano», explicou.

Bernardo Sassetti confessou mesmo que o italiano Nino Rota é o seu compositor para cinema favorito.

O músico português revelou ainda que teve de se alhear da banda sonora do filme, que tem um estilo «muito contemporâneo».

«É uma música muito dodecafónica, ou seja, sem um centro tonal muito preciso. Acho que a música do filme é extraordinária, sobretudo para aquela época», considerou.

As ideias tiradas do visionamento do filme permitiram criar uma base para que «a música evoluísse naturalmente». «Criei diversos temas, até chegar à representação dos Robertos. Neste caso, adoptei uma forma de compor muito humorística. Eu lembro-me de idas à praia quando era muito novo em que via teatrinhos de Robertos», recordou.

«Há dois temas muito substanciais. É esse dos Robertos, que é o terceiro movimento, que tem muito diálogo. E há também o segundo movimento, que tem muito que ver com a solidão do personagem Dom Roberto, que, no fundo, é um sem-abrigo», contou.

A personagem principal do filme Dom Roberto é um bonecreiro que vive uma vida de miséria. Este era, de resto, um traço comum a todos os que se dedicavam a esta arte. «O propósito destes filmes neo-realistas era retratar a pobreza e este lado social muito forte», considerou Bernardo Sassetti.

«Dom Roberto» é a única longa-metragem feita em Portugal que foi financiada exclusivamente pelo movimento cineclubista.

Nos anos 60, fez-se uma subscrição, que permitiu financiar a realização desta obra, que acabou por ser muito bem recebida entre os amantes da sétima arte em Portugal. Também se destacou por dar a conhecer outra faceta do actor Raul Solnado, que teve aqui o seu primeiro papel dramático.

A obra musical de homenagem a este filme também surgiu de uma subscrição, para a qual apenas contribuíram 43 pessoas.
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Isto levou a que a verba angariada fosse substancialmente inferior ao inicialmente esperado, mas a boa vontade de Bernardo Sassetti, que aceitou criar a obra por um valor muito inferior ao que estava previsto, acabou por permitir concretizar o projecto.

Bernardo Sassetti disse ainda que irá usar movimentos desta obra nos seus concertos, no futuro.

Hugo Rodrigues, Jornal Barlavento, 24 de Maio de 2007

(a obra estreou a 18 de Maio, no TMF)

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