DIA 13 MAIO
ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS
Joaquim Leitão, Portugal, 2005, 192’, M/12

SINOPSE
Portugal, 1944. Num país oprimido pela ditadura, há quem resista e se organize para mobilizar o povo para a luta pelo pão e pela liberdade. Mesmo que isso lhe possa custar a prisão, torturas, ou até a vida. Pessoas como Vaz, Ramos, António e Paula militantes e funcionários do Partido Comunista, que desenvolvem a sua acção na clandestinidade, reorganizando o Partido nas zonas dos arredores de Lisboa e do ribatejo, ao mesmo tempo que preparam uma grande jornada de luta, com greves e marchas contra a fome.


FICHA TÉCNICA
Realização: Joaquim Leitão
Argumento: adaptado da obra homónima de Manuel Tiago (pseudónimo de Álvaro Cunhal), Luís Filipe Rocha
Montagem: Pedro Ribeiro
Interpretação: Gonçalo Waddington, Paulo Pires, Lonor Seixas, Marco D´Almeida
Origem: Portugal
Ano: 2005

Duração: 192’

Crítica
Até Amanhã, Camaradas, CALMA, CUIDADO E PONTUALIDADE
Factualmente é o maior filme que Joaquim Leitão já fez, mas provavelmente também será o melhor.
A palavra austeridade está contaminada pelo seu atual contexto bárbaro, que estreita o seu significado e constrange o uso. Ao ponto de que se justamente a usarmos para falar de um estilo arquitetónico ou da clandestinidade comunista durante a ditadura do estado novo, arriscamo-nos a ser mal entendidos. Mas não deixemos que a austeridade que nos assola, e que já nos levou tanta coisa, também nos furte as possibilidades de emprego da própria palavra. Tudo isto para chegar a Até Amanhã, Camaradas, que não é um filme austero, pelo contrário, é do tempo em que as vacas davam leite gordo, mas que usa boas ferramentas cinematográficas para retratar a vida austera dos militantes comunistas na clandestinidade, partindo do livro homónimo de Manuel Tiago, ou seja Álvaro Cunhal.
O projeto de Joaquim Leitão, provavelmente o mais importante em que já se envolveu, teve uma sequência contrária à habitual. Juntar apoios de cinema e televisão é prática vulgar cá no burgo, até Raul Ruiz o fez com Os Mistérios de Lisboa. Aproveita-se o material e a equipa e fazem-se duas versões: uma muito longa, partida em episódios, para mostrar na televisão; outra mais curta própria para as salas de cinema. Só que, por uma questão de lógica e de contrato, os filmes costumam estrear primeiro nas salas e só mais tarde é exibida a versão televisiva. Com Até Amanhã, Camaradas passou-se exatamente o contrário. A série, de quatro episódios de 90 minutos, estreou-se na SIC, em 2005, com sucesso e aplauso. E só oito anos depois chega às salas de cinema a versão cortada para metade (ainda assim são três horas de filme), coincidindo com a celebração do centenário de nascimento de Álvaro Cunhal. O tempo passado é mostra das atribulações recorrentes do cinema português (ainda há boas longas metragens por estrear, como Guerra Civil, de Pedro Caldas), mas em termos de visibilidade até tem o seu lado positivo. Com a distância perde-se a necessidade de comparar as versões e é mais fácil olhar para o filme por si só como um objeto autónomo.
E que filme é este? Factualmente é o maior filme que Joaquim Leitão já fez, mas provavelmente também será o melhor. O que não é difícil de asseverar comparando com as obras recentes, menores e por vezes confrangedoras, de um realizador de quem muito se esperava para o cinema português. Mas mesmo olhando mais para trás, pode dizer-se que Até Amanhã, Camaradas tem meios, intenção e uma grandiosidade que os primeiros e esmerados filmes do autor não poderiam alcançar. Sem correr riscos desnecessários, a adaptação é de grande qualidade, conciliando as qualidades de objeto cinematográfico e documento histórico. Conta com uma boa fotografia, que ganha relevo no cinema, bons atores e diálogos, uma construção de argumento empolgante. As personagens são fortes em todas as suas facetas, ajudadas por boas interpretações de Gonçalo Waddington, Cândido Ferreira, Leonor Seixas, Paulo Pires, Marco D'Almeida, Adriano Luz, Carla Chambel, Ivo Ferreira. E tem uma das melhores cenas de não-sexo do cinema português.
O filme é rico em detalhes. Tal como a Manuel Tiago, interessou a Joaquim Leitão os pormenores quotidianos, os indivíduos por trás das grandes lutas. Indivíduos também com as suas questões comezinhas, os seus problemas sentimentais, e as dificuldades quotidianas de viver num risco. Não é deixada de fora a questão do machismo no seio do PCP. E a austeridade. A austeridade enquanto estratégia de sobrevivência e de luta. Austeridade no sentido de disciplina, organização e espírito de sacrifício. Calma, cuidado e pontualidade, como se diz no filme. E uma convicção ideológica que tornou estes homens e mulheres em verdadeiros heróis. A austeridade do PCP serviu, ao tempo, entre outras coisas para evitar a austeridade em que vivemos agora. Em Até Amanhã, Camaradas, através da história de uma pequena batalha, adivinhamos a guerra.
Manuel Halpern, visao.sapo.pt/

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