ADEUS À LINGUAGEM, de Jean-Luc Godard || TEATRO MUNICIPAL DE FARO || 13 JANEIRO || 21H30


13 JANEIRO  -  21H30
TEATRO MUNICIPAL 

ADEUS À LINGUAGEM
Jean-Luc Godard, Suíça, 2014, 70’, M/14

FICHA TÉCNICA
Título original: Adieu au langage
Realização e Argumento: Jean-Luc Godard
Fotografia:  Fabrice Aragno
Interpretação: Héloise Godet, Kamel Abdelli, Richard Chevallier, Zoé Bruneau, Jessica Erickson, Christian Gregori
Origem: França
Ano: 2014
Duração: 70’


PRÉMIOS
Festival de Cannes - Prémio do Júri 




CRÍTICA

“Sim, foi o que tivemos de melhor, diz Deslauriers” - é uma das citações (Flaubert, no caso) que ocupa o “pré-genérico” de Adeus à Linguagem, filme que como quase todo o Godard desde sempre, e em especial o Godard desde Nouvelle Vague (1990), se constrói como grande colagem textual, e em certa medida imagética, com excertos e passagens retirados das mais diversas fontes.
Retirada ao contexto - A Educação Sentimental - a frase de Flaubert abre bem o caminho à indefinida melancolia de Adeus à Linguagem: é para ler com exaltação e exclamação, ou para ler com encolher de ombros e reticências?... Certo, certo, é que Adeus à Linguagem, como todo o Godard de há pelo menos vinte anos, se coloca num tempo “depois”, num tempo do fim, num tempo em que, definitivamente, já passou o que “tivemos de melhor”. Em simultâneo, não há apocalipse nenhum, as coisas são o que são e estão como estão - politicamente, poeticamente, sensivelmente, este mundo “depois” é reconhecível como “este mundo”, este mundo de agora. Enquanto folheia um livro com pinturas de Nicolas de Stael, uma personagem interroga-se: “o fim de um mundo”, ou o “advento de um novo mundo”?

Este espaço “entre” (um fim e um advento) é daquilo que, lembrem-se da citação de Élie Faure que abria o Pierrot le Fou, mais interessa a Godard. É o mundo das formas indefinidas, já não fixas, ainda não estáveis. Um movimento permanente entre a luz e a sombra, entre a matéria e a evanescência, entre as coisas e a sua compreensão.
Neste filme que, além de ser sobre “o fim de tudo” é “sobre tudo”, essas cenas domésticas representam mesmo uma espécie de centro de gravidade. Há algum tempo que Godard não voltava assim a esse núcleo essencial de tantos momentos da sua obra: o reduto doméstico, o “casal”, a “fábrica” (expressão usada num filme antigo para definir essa união entre o trabalho “material” e o trabalho que faz um “casal”). Se se diz “adeus à linguagem” é também para encontrar esse ponto em que as palavras, os códigos, as fórmulas de comunicação pré-definidas, deixam de funcionar, com drama e com exuberância, e tudo existe como liberdade e potência, a inventar, a recriar, a ser visto “para além” da linguagem. Deixar, como noutra citação, “que o não-pensamento contamine o pensamento” - e é talvez por isto que aparece o protagonista não-humano (e “não-pensador”), o cão Roxy, “intérprete”, fazendo apenas as coisas que os cães fazem, de algumas das mais belas cenas e sequências do filme, aquelas em que, por bosques e lagos e citações de Monet, Godard continua a sua “reinvenção electrónica” do impressionismo (já vista noElogio do Amor ou no Filme Socialismo). “O que está no exterior”, diz outra citação (agora Rilke), “só pode ser conhecido através do olhar do animal”.Adeus à linguagem, portanto, num filme que procura olhar, assim como nos desafia a olhar, com esse “olhar do animal”. 


É com Roxy que nos despedimos, adormecido em cima dum sofá. A voz “off” comenta: “parece deprimido”. “Não”, contrapõe outra voz “off”, “está só a sonhar com as Ilhas Marquesas”. Num certo sentido, Adeus à Linguagem é um filme sobre esse sonho com as Ilhas Marquesas. Foi o melhor que tivemos.
Luís Miguel Oliveira, publico.pt/


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