Jean-Gabriel Périot, França, 2010, 5’
Em “Les barbares”, o confronto entre a classe política e
todas as outras.
CITIZENFOUR
Laura Poitras, EUA/Alemanha, 2014, 114’, M/12
FICHA TÉCNICA:
Título Original: Citizenfour
Realização: Laura Poitras
Imagem: Kirsten Johnson, Trevor Paglen, Laura Poitras, Katy Scoggin
Montagem: Mathilde Bonnefoy
Origem: EUA/Alemanha
Ano de Produção: 2014
Duração: 114´
CRÍTICA
Óscar do melhor documentário,
inscreve-se na linhagem do thriller político mas funciona como um retrato
de um homem que embate de frente com o mundo real.
Citizenfour era o pseudónimo
electrónico que Edward Snowden usava na sua correspondência com a
documentarista americana Laura Poitras; é agora o nome do filme com que ela
venceu há poucas semanas o Óscar de melhor documentário.
E esse nome é central, porque explica como,
para Poitras, Citizenfour é
uma oportunidade de desviar o olhar da revelação que Snowden fez dos programas
de vigilância electrónica das agências de informações americanas para o homem e
para os seus motivos. Citizenfour não é um denunciante
anónimo; é uma pessoa de carne e osso, Ed Snowden, 29 anos, que se esconde num
hotel de Hong Kong poucos dias antes do interminável acervo de documentos a que
o seu estatuto de consultor informático para a NSA lhe dava acesso começar a
ser divulgado.
Citizenfour não
deixa por isso de reivindicar uma dimensão activista, de querer discutir as
questões sobre o poder do estado que as revelações de Snowden trouxeram para o
debate público. Poitras sofreu “na pele” as intimidações do estado americano
devido aos documentários “incómodos” que realizou anteriormente sobre as
consequências do 11 de Setembro (My Country My Country sobre o Iraque e The Oath sobre
o Iémen) e terá sido em parte por isso que Snowden “escolheu” a cineasta como
interlocutora privilegiada. Mas, ao registar e contextualizar os sete dias em
que Poitras, Snowden e os jornalistas Glenn Greenwald e Ewen MacAskill
estiveram em Hong Kong e, confrontados com a enormidade das revelações do
consultor, gizaram o plano da sua revelação pública, a cineasta está também a
desenhar um retrato do homem. E Poitras resiste a filmar Snowden como mero
herói liberal ou como lutador pela liberdade; em vez disso, a sua câmara
filma-o, incrédula, com a surpresa de que alguém assim exista realmente, mas
também com o receio de um espectador que vê alguém enfiar-se na boca do lobo. O
Snowden que aqui vemos é um vizinho do lado ou melhor amigo que se fartou de
ser peça da engrenagem, alguém que pensou e racionalizou o que está a fazer mas
que, ainda assim, não está preparado para o que vai acontecer a seguir.
É
isso que é fascinante e sedutor no filme: mais do que reiterar a omnisciência
do colete de forças electrónico que nos vigia diariamente e perceber que daqui
para a frente vai ser preciso lutar pelo direito à privacidade, Citizenfour dá
a essa abstracção o corpo de um idealista que se vê de repente confrontado com
as consequências e as responsabilidades do seu idealismo. Há em Citizenfour um “antes” e um “depois”
de Edward Snowden revelar a sua identidade – e é no momento em que o próprio
Snowden se apercebe disso que o filme de Laura Poitras deixa de ser um simples
documentário activista para se tornar num retrato pungente da relação equívoca
entre o homem e a política, sem desencantos nem ilusões mas com uma espécie de
resignação. Ao fazê-lo, Citizenfour coloca-se na linhagem do thriller político
em que Hollywood se especializou na década de 1970 – títulos como A Última Testemunha ou Os Homens do Presidente de Alan J. Pakula, ou Os Três Dias do Condor de Sydney Pollack. E é
impossível não ver em Edward Snowden uma espécie de “equivalente” da personagem
de Robert Redford neste último, o analista que se tornou incómodo, o espião
improvável que não percebeu exactamente no que se estava a meter.
Jorge
Mourinha, publico.pt/
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