A COMUNA
Thomas Vinterberg
DK/SE/NL, 2016, 111’, M/12
FICHA
TÉCNICA
Título Original: Kollektivet
Realização: Thomas Vinterberg
Argumento: Tobias
Lindholm e Thomas Vinterberg
Montagem:
Janus Billeskov Jansen e Anne Østerud
Fotografia: Jesper Tøffner
Música: Fons Merkies
Interpretação: Ulrich Thomsen, Trine
Dyrholm, Lars Ranthe
Origem: Dinamarca/Suécia/Holanda
Ano: 2016
Duração: 111'
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de
Berlim- Urso de Prata (Melhor Actriz)
“Desde os sete aos 19 anos vivi numa comuna. Foram tempos
loucos, calorosos e fantásticos, rodeado de genitais, cerveja, intelectuais
discussões académicas, amor e tragédias pessoais. Como criança, cada dia era um
conto de fadas. A simples acção de deixar a privacidade do meu quarto e
percorrer as áreas comuns da casa podia oferecer uma variedade de cenários
surpreendentes, graças aos outros residentes e às suas diversas
excentricidades. Olhando para trás, é um período cheio de memórias douradas e
momentos absurdos. A casa tornava-se escura como um raio pelo menos durante
cinco dias por mês, devido aos ciclos biológicos das mulheres já muito
poderosas, que governavam a casa. Ciclos que não sei como se tornaram síncrones
ao longo do tempo. As ceias do grupo, que aconteciam todas as quintas-feiras e
domingos evoluíam em geral para jantares avassaladores e por vezes
catastróficos. A noção de «reunião doméstica» era a autoridade suprema – uma
reunião democrática onde os elementos da casa partilhavam as suas sensibilidades
e discutiam qualquer assunto que lhes interessasse. Recordo uma reunião
doméstica em que foi decidido que a renda seria paga na proporção do rendimento
de cada habitante da comuna. Esta noção foi alegremente proposta por um homem
que ganhava muito mais do que todos os outros, e em consequência a sua renda
mais do que duplicou. Embora a comuna fosse formada por pensadores com boa
educação, a vida nessa altura parece agora ingénua e idealista ao extremo –
abundava a esperança no futuro...”
Thomas Vinterberg
ENTREVISTA AO RELIZADOR
Este filme nasce de uma peça escrita por
si, mas curiosamente não tem qualquer tipo de movimento teatral, ao contrário
do seu filme A Festa (1998), que posteriormente inspirou um texto para
teatro...
Quisemos jogar precisamente com isso! Sabe, A
Festa é ainda uma peça com enorme sucesso e que viaja por todo o mundo. O
engraçado na versão teatral do A Comuna é que também não há ideias de cinema:
são apenas pessoas numa casa. E, claro, não temos a criança. Uma criança num
palco não dá... O filme é muito diferente da peça.
Viveu na primeira pessoa, enquanto
criança, o sonho da ideologia hippie dinamarquesa com o aparecimento das
comunas (viveu numa comuna dos 7 aos 19 anos). Olha para esses tempos e esse
modo de vida como uma utopia?
Não, de modo algum! As comunas foram uma
experiência, funcionaram como um sacrifício mas é claro que tinham grandes
problemas. Por outro lado, trouxeram um grande ideal de oportunidade, de força
e virtude, características que me deixam saudades. A minha visão antiquada e
romântica faz-me acreditar que nós testámos isso tudo com a nossa vida e que o
amor é capaz de superar tudo.
Mas ainda não me respondeu porque é que
acha que as comunas não foram uma utopia.
Porque eram antes um sonho. Ainda hoje acho que
era uma possibilidade... Os anos 1980 mudaram o espírito, trouxeram um
sentimento de liberdade individual e do direito à privacidade, que também tem
muito cabimento. Trata-se de um novo leque de valores que, por sua vez, também
são inatacáveis e são aqueles que cada vez mais as pessoas se agarram. Não sei
se o meu filme mostra mas estas comunidades eram mesmo capazes de apagar a tua
personalidade e privacidade. Tiravam-te o direito a teres sentimentos! Agora,
depois dos anos 2000, os valores de partilha foram transformados por
comportamentos indignos e egoístas. Venho de um país que fez anúncios em
jornais iranianos para evitar que os refugiados escolhessem a Dinamarca como
destino... Tenho vergonha disso. Além de ser embaraçoso, é errado! Toda esta
situação dos refugiados é muito complicada.
Voltando ao filme, está convencido de que
não idealiza o passado?
Não idealizo! Mas é óbvio que adorei ter vivido
numa comuna quando era puto mas o lado negro que a história tem mostra que esta
experiência impedia que as pessoas tivessem prazer em viver em coletividade.
Lembro-me de que viver numa comuna tinha muito que ver com aquilo que se queria
mostrar ao mundo. Depois de três semanas a partilhares a tua vida em grupo, as
defesas pessoais baixam. Como criança aprendi a navegar no meio daquilo tudo.
Chegava um tipo novo que queria instalar-se connosco e eu só imaginava: deixa
ver como é que ele aguenta até segunda-feira depois de estar bêbado também aos
domingos... Foi nessa observação que me tornei escritor. Aprendi na comuna que
a vida real não faz sentido.
Um dos temas do filme é a questão da
maneira como o adultério era encarado na sociedade...
Sim e agora esses temas são todos uma agenda...
Hoje quando alguém engana alguém é quase um crime. Antes havia aquela ideia de
que não podíamos aprisionar o nosso parceiro na monogamia, éramos ensinados a
deixar o outro ir...
Disse em entrevistas que já trocou uma
mulher por outra. O filme é um pedido de desculpas seu?
Sim, mas nunca poderei compensar essa pessoa
pelo o que fiz... Estou cheio de culpa dentro de mim. Trocar alguém é muito
brutal e este filme tem algo de confissão pessoal. Estive num casamento durante
20 anos e o que digo aos meus filhos é que a continuidade entre dois seres
humanos é importante e para nos separamos tem de haver uma razão muito forte.
No meu caso, havia...
Rui Pedro Tendinha, dn.pt/
CRÍTICA
Thomas Vinterberg, companheiro de Lars von Trier no movimento 'Dogma', está de volta com "A Comuna", sobre um grupo de adultos que decide construir uma comunidade livre — são memórias desencantadas da década de 1970.
O título do novo filme do dinamarquês Thomas Vinterberg, "A Comuna", envolve, como é óbvio, uma calculada ironia. Isto porque não se trata de evocar a efémera experiência revolucionária da Comuna de Paris, em 1871, mas sim de colocar a acção numa espécie de rima simbólica (cerca de um século mais tarde), observando as atribulações de um grupo de adultos que decide construir um ideal comunitário numa casa em cuja gestão todos participam.
Há uma espécie de lógica paródica que serve para introduzir a acção — afinal de contas, numa das primeira reuniões (em que cada um vota de braço levantado), um dos temas a tratar é a administração do número de cervejas disponíveis na casa... O certo é que, a pouco e pouco, aquilo que parecia transparente e utópico vai sendo sujeito a uma dramática prova de real: ninguém parece ter pensado que as relações afectivas (e sexuais) não se deixam gerir por regras mais ou menos voluntaristas.
Através de uma desarmante frieza realista, Vinterberg vai construindo uma espécie de "reportagem" sobre este universo que, por assim dizer, se vê compelido a contemplar-se no espelho das suas empenhadas ilusões. Herdeiros das ilusões mais ou menos libertárias dos anos 60, as personagens de "A Comuna" descobrem que o destino é algo mais do que uma mera agenda de comportamentos.
De alguma maneira, Vinterberg regressa, assim, ao filme que o popularizou a nível internacional: "A Festa" (1998), realizado no âmbito do célebre movimento 'Dogma' (ou 'Dogma 95'), arquitectado com vários companheiros dinamarqueses, incluindo Lars von Trier. Para ele, o essencial decorre da minuciosa atenção às diferenças e contradições dos comportamentos humanos, além do mais contando com um leque admirável de actores — Ulrich Thomsen, Tryne Dyrholm e Helene Reingaard Neumann são apenas alguns dos que nos levam a recordar que a mais nobre tradição escandinava passa, obviamente, pela arte de representar.
João Lopes, rtp.pt/cinemax/
O título do novo filme do dinamarquês Thomas Vinterberg, "A Comuna", envolve, como é óbvio, uma calculada ironia. Isto porque não se trata de evocar a efémera experiência revolucionária da Comuna de Paris, em 1871, mas sim de colocar a acção numa espécie de rima simbólica (cerca de um século mais tarde), observando as atribulações de um grupo de adultos que decide construir um ideal comunitário numa casa em cuja gestão todos participam.
Há uma espécie de lógica paródica que serve para introduzir a acção — afinal de contas, numa das primeira reuniões (em que cada um vota de braço levantado), um dos temas a tratar é a administração do número de cervejas disponíveis na casa... O certo é que, a pouco e pouco, aquilo que parecia transparente e utópico vai sendo sujeito a uma dramática prova de real: ninguém parece ter pensado que as relações afectivas (e sexuais) não se deixam gerir por regras mais ou menos voluntaristas.
Através de uma desarmante frieza realista, Vinterberg vai construindo uma espécie de "reportagem" sobre este universo que, por assim dizer, se vê compelido a contemplar-se no espelho das suas empenhadas ilusões. Herdeiros das ilusões mais ou menos libertárias dos anos 60, as personagens de "A Comuna" descobrem que o destino é algo mais do que uma mera agenda de comportamentos.
De alguma maneira, Vinterberg regressa, assim, ao filme que o popularizou a nível internacional: "A Festa" (1998), realizado no âmbito do célebre movimento 'Dogma' (ou 'Dogma 95'), arquitectado com vários companheiros dinamarqueses, incluindo Lars von Trier. Para ele, o essencial decorre da minuciosa atenção às diferenças e contradições dos comportamentos humanos, além do mais contando com um leque admirável de actores — Ulrich Thomsen, Tryne Dyrholm e Helene Reingaard Neumann são apenas alguns dos que nos levam a recordar que a mais nobre tradição escandinava passa, obviamente, pela arte de representar.
João Lopes, rtp.pt/cinemax/
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