A FESTA
Sally Potter
Reino Unido, 2017, 71’, M/14
FICHA TÉCNICA
Título Original: The Party
Realização e Argumento: Sally
Potter
Montagem: Emilie
Orsini e Anders Refn
Fotografia: Aleksei
Rodionov
Interpretação: Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cherry Jones, Emily Mortimer, Cillian
Murphy, Kristin Scott Thomas e Timothy Spall
Origem: Reino Unido
Ano: 2017
Duração: 71’
FESTIVAIS E
PRÉMIOS
Festival de Berlim - Selecção Oficial
CRÍTICAS
Logo no princípio do filme, há uma mulher em fúria que abre a porta da rua e aponta uma arma a quem chega - por acaso na nossa direção, já que a câmara está no lugar do visitante. No fim do filme, em forma circular, a cena repete-se - agora atribuindo sentido ao que, no começo da mais recente obra de Sally Potter, é apenas um modo de agarrar o espectador pelos gorgomilos. Um bom começo - durante toda a narrativa, perseguimos essa cena de abertura como cães a farejar pistas: Promete-se um doce a quem consiga farejar a pista certa, mas esse nem sequer é o mais saboroso ardil que "A Festa" nos lança. É que a questão do filme não é a descoberta de a quem se dirige uma ingente ameaça. A questão do filme é larga, geracional, de balanço de vidas, quase se diria que a morder as canelas de uma civilização no momento presente.
Tudo sob o manto e o brilho de uma mordacidade que nos vai divertindo (muito), ao mesmo tempo que nos vai deixando (algo) cabisbaixos. Enfim, chegou o dia em que Janet, a culminar uma vida de empenho, de perseverança, de esforço, chegou lá. Ainda não ao poder de facto, que para os trabalhistas há muito que penar antes de volver ao 10 de Downing Street, mas a um cargo no governo-sombra, na pasta da Saúde, um lugar que é de quase-ministro e que, de qualquer modo, para Janet é o zénite possível, por ora. Hoje, ela dá uma pequena festa em casa, apenas um limitado grupo de amigos mais chegados, nada de muito especial. Quando o filme abre, Janet afadiga-se na cozinha, na geração e no espectro político em que vive, ser mulher de tribuna que sabe arregaçar as mangas em casa já nem sequer é um must, é um estereótipo. Entrementes, enquanto vai recebendo telefonemas de congratulação com uma mão e preparando os vol-au-vent com a outra, o marido está sentado num cadeirão a meio da sala, serve-se de vinho e põe música — alto. Boa música, não será qualquer falta de gosto a fazer que a festa corra mal.
Mas vai correr...
São sete amigos (falta Marianne, não é, todavia, por estar ausente que menos pesa naquela reunião de parceiros de longo curso), outros tantos magníficos atores — elenco de superluxo — para um filme cuja escrita poderia ser materializada num palco de teatro. Todavia, mester de uma câmara movente que nunca reproduz uma cena estática, cinema do melhor, uma pequena pérola iridescente de 71 minutos.
Jorge Leitão Ramos, Expresso
Eis um pequeno grande filme, dos melhores e mais estimulantes estreados entre nós nos últimos meses: em "A Festa", Sally Potter desmonta o jogo de máscaras através do qual as suas personagens se relacionam — com um belo elenco liderado por Kristin Scott Thomas. Em "A Festa", Kristin Scott Thomas, actriz de uma versatilidade tecida de delicada contenção, surge a interpretar Janet, uma futura ministra da saúde. Mas a acção nada tem a ver com os cenários do seu trabalho político. Estamos, afinal, perante os dados tradicionais daquilo que parece uma não menos tradicional "comédia de costumes": Janet convida alguns amigos — serão apenas sete personagens naquelas duas ou três divisões — para celebrar a sua promoção ao novo cargo.
O menos que se pode dizer é que o filme dirigido pela britânica Sally Potter (famosa pelo seu "Orlando", de 1992, segundo Virginia Woolf) conta com um elenco de gente de sofisticado talento, cada um deles sabendo compor a respectiva personagem como espelho da mais velha, e indomável, fraqueza humana: a de mascarar a verdade mais funda de cada identidade — além de Kristin Scott Thomas, o filme inclui Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cherry Jones, Emily Mortimer e Cillian Murphy.
Importa não revelar ao leitor/espectador o enigma que assombra o filme — há nele qualquer coisa de irónico e terrível, dir-se-ia à maneira clássica de Agatha Christie. Sublinhemos apenas que a celebração está longe de decorrer como previsto. Em breves minutos (até porque o filme é exemplarmente sintético: 71 minutos), aquele colectivo vai ser atingido pelo não-dito das suas relações, num processo de desnudamento moral que Potter filma com implacável precisão clínica.
Eis um filme atípico, fora de moda e precioso: um filme que acredita que as personagens nascem através dos corpos dos actores, não pela banal acumulação de efeitos digitais e bandas sonoras mais ou menos ruidosas... Fotografado num admirável preto e branco pelo mestre russo Aleksei Rodionov, "A Festa" é um dos mais vulneráveis produtos comerciais que, nos últimos meses, chegaram às salas portuguesas — e também um dos mais brilhantes.
João Lopes, cinemax
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