AL BERTO
Vicente
Alves do Ó
Portugal, 2017, 109’, M/16
FICHA
TÉCNICA
Realização e Argumento: Vicente Alves do Ó
Fotografia: Rui Poças
Montagem: Hugo Santiago
Som: Pedro Melo
Interpretação: Ricardo Teixeira, José Pimentão, Raquel
Rocha Vieira, Ana Vilela da Costa,
Gabriela Barros, João Villas-Boas, José Leite
Origem: Portugal
Ano: 2017
Duração: 109’
FESTIVAIS E PRÉMIOS
2018 - Prémios Sofia da Academia Portuguesa de
Cinema, Nomeado
TRAILER
AL BERTO é uma longametragem sobre o regresso
do poeta Al Berto a Portugal após a sua longa estadia em Bruxelas onde estudou
Belas Artes. Ao longo do filme, Sines transpira a vida excêntrica e avant garde
de Al Berto pouco tempo após a revolução dos cravos
“Eu conheci o Al Berto pessoalmente e cresci
com ele porque somos ambos de Sines. Descrevo-o como uma personagem marginal,
um homem fascinante, que sempre fez e disse sempre o que queria. O Al berto era
uma pessoa maravilhosa e deliciosamente doido. Curiosamente a obra máxima
chama-se “Medo” e eu nunca vi medo naquele homem. Existe uma identidade com a
condição artística, a minha e a dele.”
Vicente Alves do Ó
Vicente Alves do Ó
Relação amorosa entre o poeta e o irmão do
realizador, nos anos 70, cruza-se com a história de um grupo de jovens
esclarecidos de Sines, deslumbrados com a liberdade.
O
primeiro filme biográfico sobre Al Berto não conta a história de vida do poeta.
Não por inteiro. A película realizada por Vicente Alves do Ó centra-se apenas
no período de 1975 a 1978, depois de Al Berto regressar do exílio em Bruxelas e
se instalar em Sines. Na vila da costa alentejana onde tinha crescido, vive
naqueles anos uma relação amorosa que a comunidade censura. É este um dos temas
principais do filme.
[...]
Em vez
de revisitar a narrativa do poeta maldito, apaixonado pela noite, imagem que Al
Berto ajudou a construir através do que deixou escrito, o realizador escolheu
uma fase solar da vida do poeta, cheia de sonhos e ambições, logo a seguir ao
25 de Abril de 1974, sob influência da cultura francófona, do rock inglês e
americano e do espírito libertário que então se vivia.
O fim
dos anos 70 é um período que pouca gente conhece, porque a imagem pública dele
corresponde sobretudo à década de 80, quando se tornou célebre como escritor”,
diz o realizador. “Entre 75 e 78, Al Berto estava a abandonar a pintura, que
tinha estudado em Lisboa e Bruxelas, e começava a abraçar a literatura.
Fascina-me perceber este tipo de motivações e escolhas dos artistas. O que ele
viveu naqueles anos foi muito importante para o que viria a ser como escritor e
pessoa, e revela um Al Berto muito mais solar do que se pensa.”
Vicente
Alves do Ó tem 45 anos, nasceu em Sines e conheceu bem o autor de “Horto de
Incêndio”. Como realizador, levou ao grande ecrã a vida da poetisa Florbela
Espanca, em “Florbela” (2012), e como encenador recriou a história do cantor
António Variações, na peça de teatro “Variações, de António” (2016).
O guião
de “Al Berto” escreveu-o em 2014, mas decidiu há um ano, em agosto, testá-lo e
alterá-lo. Mudou-se com o grupo de atores do filme para uma casa junto à Lagoa
de Santo André, a poucos quilómetros de Sines, para um retiro de trabalho.
Viveram por três semanas como uma família, faziam as camas, iam às compras,
cozinhavam em conjunto. Este método de trabalho nunca tinha sido utilizado por
Vicente Alves do Ó, mas ajudou a fortalecer a relação entre os membros da
equipa, fazendo com que o filme ganhasse um tom realista no que respeita à
amizade entre protagonistas. É por isso que o realizador utiliza a expressão
“filme coral”.
É um
aspeto tanto mais relevante quanto, naqueles anos, Al Berto viveu com um grupo
de amigos numa casa senhorial à entrada de Sines, conhecida como “palácio”. A
casa tinha sido pertença da família dele, mas fora expropriada para a
construção de bairros operários do complexo industrial de Sines (a parte
inglesa da família de Al Berto, os ingleses Pidwell, foi viver para Sines no
fim do século XIX e enriqueceu com a indústria conserveira, criando laços
familiares com latifundiários alentejanos). No palácio, este grupo de jovens
esclarecidos de Sines adotou um estilo de vida hippie, em regime de ocupação.
Eles
tinham liberdade e não sabiam o que fazer com ela”, analisa o realizador. “A
ideia de que se tem tempo para tudo, e se pode ser tudo na vida, sem nos
definirmos em relação a nada, marcou muito aquela geração, que acabou por se
acomodar ao quotidiano. A exceção foi o Al Berto, que era um homem muito
pragmático e determinado.”
Um dos
jovens que viveram no “palácio” foi João Maria do Ó, irmão do realizador e
então namorado de Al Berto.
Cresci
a saber de uma história de amor entre Al Berto e o meu irmão João Maria, que
morreu há sete anos e teria hoje 60”, lembra Vicente. “Naquela época, Sines era
uma vila pequena e fechada, mas eles viveram uma história de amor à descarada,
o que foi recebido com estranheza e desconforto. Eles e o grupo do palácio eram
muito sofisticados, não eram uns miúdos provincianos. Tudo isso aparece no
filme. Recriámos um ambiente e uma forma de estar que remete para o espírito
libertário dos seventies,
com o glitter e a
música da época. Eles andavam em bando, eram livres e viviam sem pudores, o que
provocou atritos com o resto da população.”
O guião
é parcialmente inspirado em material inédito. Quando João Maria morreu, em
2010, Francisco, o terceiro dos irmãos, mostrou a Vicente os livros, diários e
papéis que aquele tinha deixado. Vicente leu tudo e ficou com vontade de
publicar algum material. No ano passado, saiu pela Editora Labirinto um
conjunto de poemas. E mais se seguirão. Uma outra parte dos papéis serviu de
fonte para o guião, além de entrevistas com quem conheceu o grupo do palácio.
João
Maria legou livros completos, escreveu quase sempre para a gaveta, fechado
sobre si mesmo e dependente do álcool – “atravessou o tempo escondido”, é a
expressão de Vicente.
Não por
acaso, o período 75-78 corresponde à duração do namoro, que terminou de forma
abrupta e criando uma zanga para muitos anos. “A partir de certa altura
deixaram de se falar e não gostavam que se perguntasse pelo outro. Foi uma
história mal resolvida, por zanga ou orgulho, mas penso que nos anos 90 as
coisas se pacificaram e eles já trocavam algumas palavras”, acrescenta o
realizador.
Al
Berto, pseudónimo literário de Alberto Raposo Pidwell Tavares, nasceu em
Coimbra em 1948 e morreu em Lisboa em 1997, já consagrado pelo sistema
literário. Aponta-se um linfoma como causa do óbito e houve à época quem
negasse nos jornais que o poeta tivesse morrido com sida. Reconhecido como
pioneiro da linguagem queer
na literatura portuguesa, parece ter vivido a homossexualidade como elemento de
marginalidade e tornou-se célebre pela prosa poética noturna, por vezes em
registo sobrenatural.
Sempre
que se fala nele, há a tendência de o classificar como poeta marginal, que
vivia de noite, que frequentava o Bairro Alto, etc., mas ele é muito maior do
que isto, há um outro lado da vivência e da personalidade que é muito mais
solar”, sustenta Vicente Alves do Ó. “Tive o privilégio de ter uma relação
muito próxima com ele, foi das primeiras pessoas a ler as minhas coisas, quando
eu tinha 19 anos e escrevi um espetáculo que foi apresentado em Sines. Ele não
se resignava ao mal de viver, embora escrevesse sobre isso.”
Nessa
fase, início dos anos 90, já Al Berto estava consagrado. Relacionava-se muito
bem com o meio intelectual de Lisboa, dirigia o Centro Cultural Emmérico Nunes,
em Sines, que ajudou a fundar, e levava à terra os nomes portugueses mais
conhecidos das artes e letras. “Cresci com o Al Berto a convidar para o Centro
Cultural todos os grandes nomes, Cabrita Reis, Rui Chafes, Ilda David, Nuno
Artur Silva, tanta gente. Uma grande parte da minha formação artística foi
feita desta forma. O Al Berto conhecia toda a gente”, recorda o realizador.
Quanto
ao elenco do filme, é quase integralmente composto por atores jovens e pouco
conhecidos. Destaca-se Ricardo Teixeira, de 25 anos, que faz de Al Berto. Foi
escolhido por Vicente Alves do Ó por ter semelhanças físicas com o poeta,
incluindo na voz.
Conheço
tanta gente incrível dos teatros que precisa de uma oportunidade. Não queria
miúdos viciados pelas televisões e novelas, queria frescura de quem ainda sonha
com isto, e fui à procura”, conta o realizador. “Quando encontrei o Ricardo
Teixeira, percebi que ele tem muita coisa do Al Berto e quando ouvi o tom de
voz fiquei completamente convencido.”
A
rodagem de “Al Berto” durou seis semanas, entre outubro e novembro do ano
passado. Três semanas em Sintra, num local que se assemelha ao “palácio” em que
o poeta viveu (hoje em ruínas, propriedade de uma instituição bancária), e três
semanas em Sines. O financiamento foi assegurado pelo Instituto do Cinema e do
Audiovisual, pela RTP e pela Câmara de Sines.
observador
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