4 novembro, 21H30, ARTISTAS
Tom na Quinta
Xavier
Dolan, Canadá/França, 2013, 105’, M/16
Integrado na Semana dos Artistas.
FICHA TÉCNICA
Título Original: Tom à
la Ferme
Realização:
Xavier Dolan
Argumento: Xavier Dolan, Michel Marc Bouchard
Fotografia:
André Turpin
Montagem:
Xavier Dolan
Música:
Gabriel Yared
Interpretação: Xavier Dolan,
Pierre-Yves Cardinal, Lise Roy
Origem: Canadá/França
Ano: 2013
Duração: 105'
FESTIVAIS E PRÉMIOS
Festival de Veneza - Prémio FIPRESCI
Festival IndieLisboa - Selecção Oficial
Festival IndieLisboa - Selecção Oficial
NOTA
DO REALIZADOR
Após
ter, inadvertidamente, criado uma trilogia sobre o amor impossível – J’AI TUÉ
MA MÈRE, AMORES IMAGINÁRIOS e LAURENCE PARA SEMPRE – era necessária uma mudança
de direcção. Apresentaram-se-me várias possibilidades. Abri a gaveta da minha secretária,
estava cheia de post-its e guardanapos, rabiscados com ideias, diálogos e duas ou
três linhas semelhantes às entradas de um guia de televisão.
Havia
um thriller político – por falar em mudança – e havia o meu primeiro filme em
língua inglesa, The Death and Life of John F Donovan; mas eu queria escrever
qualquer coisa que pudesse filmar logo de seguida. Precisava de uma coisa
instantânea, e de uma rodagem igualmente rápida. Depois, lembrei-me da peça
“Tom na Quinta”. Estávamos no Inverno de 2011, se não estou em erro, durante a
pré-produção de LAURENCE PARA SEMPRE. Nessa noite, em palco, Lise Roy – que
haveria de interpretar o mesmo papel no filme – fez o monólogo de uma mãe
sofredora que, após regressar do funeral do filho, tem um ataque
de raiva enquanto prepara a sua famosa salada de massa. Atira a salada para o
lixo – ninguém chegara a prová-la –, confessando o nojo que sente pela receita
e pelas pessoas à sua volta que a obrigaram a fazê-la, ano após ano. O monólogo
da salada de massa nunca se afasta do tema – que é, digamos assim, a comida -,
aludindo, contudo, à profunda tristeza de uma mulher que nunca conheceu mais
nada além da quinta, os abraços frouxos do falecido marido e dos filhos, a
ordenha das vacas, e a resignação vazia de olhar para uma estrada de terra
batida e perceber que nunca será alcatroada. Ironicamente, este momento nunca
foi incluído no filme, provavelmente por causa da sua teatralidade.
Todavia,
este desvio para a agonia de uma mãe era-me demasiado próximo e não podia
deixar de o abordar. O dramaturgo, Michel Marc Bouchard, é exímio a mostrar o
ponto de vista da anfitriã e dos seus convidados, e evita os inevitáveis
lugares comuns da cidade vs campo. A brutalidade da relação entre os dois
protagonistas masculinos, elegante e estética em palco, já continha vestígios
da dureza e violência que queria expressar no filme e que me afastariam da
minha zona de conforto. A peça evoca e explora, de forma evidente, uma série de
sentimentos, mas eu sabia que estas sensações de medo, ansiedade e
alteridade eram feitas para o grande ecrã e, acima de tudo, esta era a novidade
que eu andava à procura.
Depois
do espectáculo, debaixo do alpendre, e envolto no fumo de merecidos cigarros,
perguntei ao Michel Marc quem é que ia fazer a adaptação ao cinema. Ele respondeu:
Ninguém, porquê? Tens alguém em vista? Sim, eu, retorqui, com a mesma humildade
de Nero em Britânico.
Mas, agora a sério, foi mais ou menos assim
que se passou.”
CRÍTICA
Xavier Dolan, canadiano, 25 anos, prossegue a sua notável filmografia: "Tom na Quinta" é o retrato íntimo de um perturbante processo de luto — com o próprio Dolan a assumir a interpretação da personagem central.
Triste mundo este
em que tantos jovens adquirem alguma evidência mediática apenas porque alguém
os incluiu na galeria cor-de-rosa dos "famosos" ou porque se entregam
a performances públicas mais ou menos caricatas e brejeiras (por vezes,
acumulando ambos os talentos...).
Num mundo assim,
que se diz, que se comenta, que notícias são produzidas sobre a extraordinária
carreira do canadiano Xavier
Dolan, 25 anos, cineasta e criador de invulgar
vitalidade?
Enfim, digamos
apenas que "Tom
na Quinta", quarta
longa-metragem de Dolan (logo após "Laurence para Sempre", também
estreada entre nós, e antes de "Mommy", revelada no recente Festival
de Cannes), confirma a sua invulgar capacidade para percorrer os labirintos das
relações amorosas e passionais, ao mesmo tempo desmontando as razões — não
necessariamente racionais —
dos seres que as protagonizam.
Na sua candura, o
ponto de partida de "Tom na Quinta" é quase didáctico: Tom visita a
quinta onde vive a mãe e o irmão do seu companheiro que morreu — vem acompanhar
o funeral e, de alguma maneira, iniciar o trabalho de luto pela sua perda. Mas
vai confrontar-se com uma primeira barreira: o irmão do falecido não quer, de
modo algum, que a mãe saiba da relação que existia entre ele e Tom...
Dizer
que Dolan é um retratista das relações homossexuais é, afinal, profundamente
redutor. E não só porque no seu cinema proliferam as identidades sexuais.
Sobretudo porque ele filma, não exactamente os géneros, mas o relativismo da(s) sua(s) diferenças. No limite,
Dolan procura os desejos dos corpos e, através deles, os enigmas das almas —
tarefa tanto mais íntima e perturbante quanto, para além de argumentista e
realizador, ele é também o brilhante intérprete da personagem de Tom.
João Lopes, rtp.pt/cinemax
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