ORNAMENTO E CRIME | 4 ABR | TMF | 21H30



ORNAMENTO E CRIME
Rodrigo Areias
Portugal, 2016, 90’, M/14

PRESENÇA DO REALIZADOR
 
FICHA TÉCNICA

Realização: Rodrigo Areias
Argumento e Diálogos: Pedro Bastos, Rodrigo Areias
Fotografia: Jorge Quintela
Montagem: Eduardo Nunes
Música: Rita Redshoes, The Legendary Tigerman
Interpretação: Vítor Correia, Djin Sganzerla, Tânia Dinis, António Durães
Origem: Portugal
Ano: 2016
Duração: 90' 



CRÍTICAS

O realizador Rodrigo Areias reinventa os filmes noir americanos dos anos 40, deslocando o seu contexto e deixando a sua marca.
Rodrigo Areias prossegue o seu caminho de desconstrução do cinema de género, concedendo-lhe traços autorais que fazem do seu cinema um caso único no panorama português. Se em Estrada de Palha revisitara o western (fazendo, em termos muito próprios, uma espécie de western cozido à portuguesa), em Ornamento e Crime, deleita-se na reinvenção do filme noir. Mas a sua linguagem é tão marcante que, de alguma forma, se inscreve para além do próprio género, transformando-o num utensílio e não num fim em si próprio.
Tal como Edgar Pêra, que não por acaso aparece no próprio filme, no papel de realizador assassinado, Areias diverte-se com a autocitação, com o cinema a conviver e a descobrir a sua própria história, as suas próprias referências, mas nos antípodas de La La Land. Diz-se nos antípodas de La La Land sobretudo porque onde uns, numa produção luxuosa, procuram cor e brilho, Areias, com meios escassos, se deixa atrair pelas trevas. É no contraste do preto e branco que constrói um universo próprio, num conceito de noir pessoal, que até lembra, por essa capacidade de criar um universo, o finlandês Aki Kaurismäki. Areias é esteticamente muito seguro, implacável, sem cedência na pautação do ritmo, na coerência dos elementos, na consistência da montagem e da fotografia, que não vacila nem por um momento para fora do contexto que ele criou. Preto no branco.
Tal como em Estrada de Palha, em Ornamento e Crime, há uma adaptação fantasiosa de um universo externo e longínquo – os film noir americanos dos anos 40 – ao cenário português, de um tempo irreal, que apenas existe enquanto citação e memória do próprio cinema. Por isso, apesar de ter um detetive duro e charmoso, uma mão-cheia de mulheres fatais e uma trama sedutora, não deixa de ser, na sua essência, um filme sobre o próprio cinema.
Em termos estéticos funciona, com grande segurança, através da construção de quadros, com câmara fixa, em que a ação nunca é dada pelo movimento de câmara, apenas pela delineação minimal das cenas. As próprias personagens obedecem a essa cadência. Sobretudo Vítor Correia, num frigidíssimo papel de detetive, que nunca pestaneja, que nunca se assusta, fiel aos seus movimentos, com uma confiança demolidora. Cresce e desenvolve-se sempre ao ritmo de uma banda sonora que, aliás, funciona quase como uma personagem (o trabalho de Legendary Tigerman e Rita Redshoes é, desse ponto de vista, notável e enquadra-se plenamente do filme, alimentando-o e acolhendo-o).
Manuel Halpern, visao.sapo.pt


Trabalhando a partir de Guimarães, Rodrigo Areias tem sido um exemplo modelar de criatividade e independência — no seu novo filme, "Ornamento & Crime", os cenários da sua cidade servem de pano de fundo a uma redescoberta da tradição do cinema "noir".
Por vezes, uma certa visão "automática" do cinema que se faz em Portugal gera descrições generalistas, pouco ou nada atentas à pluralidade interior da nossa produção. Na dupla qualidade de produtor e realizador, Rodrigo Areias é um magnífico exemplo dessa pluralidade, desenvolvendo a sua actividade através do colectivo Bando à Parte, sediado em Guimarães (em termos pessoais, recordo com todo o gosto que tive o privilégio de trabalhar com ele na programação/produção da área de cinema de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura).
Agora, Rodrigo Areias propõe um exercício de estimulante experimentalismo. Depois de "Estrada de Palha" (2012), a sua nova longa-metragem de ficção, "Ornamento & Crime", aposta na possibilidade de reinventar as matrizes do clássico género "noir" de Hollywood, fazendo-o através de lugares e rostos de Guimarães. Dir-se-ia que há, aqui, um realismo insólito, no sentido em que realidade retratada é a abstracção do próprio cinema como máquina de produção de ficção.
É, obviamente, significativo que o título escolhido para o filme seja "roubado" ao ensaio do arquitecto austríaco Adolf Loos (1870-1933), publicado em 1913. Trata-se, afinal, de procurar estabelecer uma cumplicidade formal com uma arquitectura em que o rigor das linhas e o equilíbrio das composições dispensa o gratuito dos ornamentos. Dito de outro modo: este é um filme elaborado também a partir da memória do arquitecto português Fernando Távora (1923-2005), personalidade essencial na conservação e consolidação do património urbano de Guimarães.
Num contexto em que, mais do que nunca, importa defender — e, mais do que isso, preservar — a diversidade da produção cinematográfica portuguesa, "Ornamento & Crime" exemplifica uma atitude criativa descentralizada, independente e experimental. As suas singularidades merecem ser conhecidas e pensadas — a cinefilia começa, afinal, na disponibilidade do olhar e do pensamento.
João Lopes, rtp.pt/cinemax


 

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