TONI
ERDMANN
Maren Ade
Alemanha/Áustria/Roménia,
2016, 162’, M/12
FICHA TÉCNICA
Realização e Argumento:
Maren Ade
Montagem: Heike Parplies
Fotografia: Patrick Orth
Interpretação: Peter Simonischek e Sandra Hüller
Origem: Alemanha, Áustria, Roménia
Ano: 2016
Duração: 162'
FESTIVAIS E
PRÉMIOS
Óscar - Nomeação Melhor Filme Estrangeiro
Golden Globes - Nomeação Melhor Filme Estrangeiro
Prémio Lux - Parlamento Europeu
Festival de Cannes - Prémio FIPRESCI
European Film Awards - Melhor Filme, Melhor
Realizador, Melhor Argumento, Melhor Actor e Melhor Actriz
CRÍTICA
Um pai tenta salvar a filha das garras do capitalismo selvagem à escala mundial. Nomeado para os Oscars, o filme Toni Erdmann demonstra que, afinal, os alemães também têm sentido de humor.
Quem já desdenhou do sentido de humor dos alemães que agora dê a primeira gargalhada. A primeira virtude de Toni Erdmann, o filme de Maren Ade que está nomeado para o Oscar para o melhor filme estrangeiro, é desfazer o mito de que os alemães não têm qualquer graça. Afinal, eles sabem rir. E até se riem de si próprios. Contudo, desfaça-se já o equívoco, apesar de proporcionar umas boas gargalhadas, Toni Erdmann não é uma comédia, no sentido mais convencional da definição do género, até porque há um contexto realista atual e uma entoação dramática no retrato cru de um mundo contemporâneo complexo, frio e globalizado.
De forma leve e ponderada, Toni Erdmann propõe-se fazer um ensaio sobre a forma como o capitalismo selvagem e a globalização económica deterioram drasticamente a qualidade das relações humanas. Mas talvez aqui também se possa acreditar que o humor pode salvar o mundo... Ou pelo menos alguns pequenos mundos. Winfried, um excêntrico professor de música de liceu, sente que está a perder a sua filha para a globalização e tenta salvá-la, encarnando uma personagem bizarra, a que dá o nome de Toni Erdmann.
Ines, a filha, trabalha na Roménia numa daquelas firmas que se subcontratam para reestruturações empresariais, ou seja, para “agilizar” os despedimentos. É cega, ambiciosa e fria no seu trabalho. Winfried, como aquela mãe holandesa que partiu para a Síria para resgatar a filha do Estado Islâmico, faz de tudo para devolver a Ines um certo sentido da vida. Cria então uma máscara com o objetivo último de desfazer as máscaras que ela própria transporta. É assim um filme de um realismo cru e extremamente atual, mas com maravilhosos rasgos de magia e humanidade. Toni é um panela de água a ferver num mundo gelado. Um pouco como Amélie Poulain, mas menos piegas; como Goodbye Lenine, mas na desesperada tentativa de derrubar os muros invisíveis que entretanto se construíram e se revelam ainda mais robustos do que os anteriores. Maren Ade tem o incrível mérito de usar bem o humor e o espanto, embora sem se afogar nele. E também de encontrar dois excelentes atores, que se sabem desfazer em camadas...
Manuel Halpern, visao.sapo
Quem já desdenhou do sentido de humor dos alemães que agora dê a primeira gargalhada. A primeira virtude de Toni Erdmann, o filme de Maren Ade que está nomeado para o Oscar para o melhor filme estrangeiro, é desfazer o mito de que os alemães não têm qualquer graça. Afinal, eles sabem rir. E até se riem de si próprios. Contudo, desfaça-se já o equívoco, apesar de proporcionar umas boas gargalhadas, Toni Erdmann não é uma comédia, no sentido mais convencional da definição do género, até porque há um contexto realista atual e uma entoação dramática no retrato cru de um mundo contemporâneo complexo, frio e globalizado.
De forma leve e ponderada, Toni Erdmann propõe-se fazer um ensaio sobre a forma como o capitalismo selvagem e a globalização económica deterioram drasticamente a qualidade das relações humanas. Mas talvez aqui também se possa acreditar que o humor pode salvar o mundo... Ou pelo menos alguns pequenos mundos. Winfried, um excêntrico professor de música de liceu, sente que está a perder a sua filha para a globalização e tenta salvá-la, encarnando uma personagem bizarra, a que dá o nome de Toni Erdmann.
Ines, a filha, trabalha na Roménia numa daquelas firmas que se subcontratam para reestruturações empresariais, ou seja, para “agilizar” os despedimentos. É cega, ambiciosa e fria no seu trabalho. Winfried, como aquela mãe holandesa que partiu para a Síria para resgatar a filha do Estado Islâmico, faz de tudo para devolver a Ines um certo sentido da vida. Cria então uma máscara com o objetivo último de desfazer as máscaras que ela própria transporta. É assim um filme de um realismo cru e extremamente atual, mas com maravilhosos rasgos de magia e humanidade. Toni é um panela de água a ferver num mundo gelado. Um pouco como Amélie Poulain, mas menos piegas; como Goodbye Lenine, mas na desesperada tentativa de derrubar os muros invisíveis que entretanto se construíram e se revelam ainda mais robustos do que os anteriores. Maren Ade tem o incrível mérito de usar bem o humor e o espanto, embora sem se afogar nele. E também de encontrar dois excelentes atores, que se sabem desfazer em camadas...
Manuel Halpern, visao.sapo
ENTREVISTA COM MAREN ADE
Como surgiu a ideia do filme e deste colorido personagem que é o pai da Ines: Toni Erdmann?
A minha família costuma ser a minha primeira fonte de inspiração, alimenta-me as narrativas e pode influenciar os laços entre as personagens. O pai de Ines, Winfried, inventa um alter-ego, numa tentativa desesperada e audaciosa de recuperar a ligação pai-filha. É assim que Toni Erdmann ganha vida!
O humor é amiúde a melhor forma de transcender a realidade. Incapaz de comunicar com a filha, Winfried encontra aqui uma forma de fugir à situação, criando um personagem. O humor é a sua única arma e é através dele que eles vão conseguir voltar a comunicar...
As suas personagens femininas estão constantemente em sintonia com os seus paradoxos. Isso reflete uma característica que encontra nas mulheres da sociedade actual?
Ines trabalha num meio predominantemente liderado por homens, um estado de coisas que ela interiorizou. Ela considera-se “um deles”, naquele grupo de homens. O problema é que eles não a vêem com os mesmos olhos. Questionei algumas mulheres que ocupam cargos de direcção e a maioria afirma que gostaria de ser a excepção que confirma a regra, mesmo que isso signifique muitas vezes para elas um certo isolamento.
Penso que a Ines é uma verdadeira mulher da actualidade. Quando iniciou a sua carreira, convenceu-se que o livre arbítrio e a igualdade eram um dado adquirido para as mulheres da sua geração e que, consequentemente, o feminismo já não tinha razão de ser. Quando ela declara: “Se eu fosse feminista, não toleraria homens como tu”, di-lo com convicção. Refere-secom desdém ao workshop “A Palavra às Mulheres” ou à Associação Contra o Assédio no Trabalho e assume o mesmo tom sarcástico, e até sexista, quando fala da Anca “que sabe como chegar lá”. Mas para ser franca, a minha intenção não foi denunciar o sexismo no mundo do trabalho. Quis apenas mostrar as coisas conforme são, e acontece que o sexismo faz parte do mundo em que vivemos. A história da igualdade entre os sexos é um tema que tem o condão de me irritar, dada a importância que lhe atribuímos. Enquanto mulher, costumo identificar-me com os personagens masculinos. Quero dizer que quando vejo um James Bond, não me identifico com a Bond girl, e sim com o próprio James Bond. Talvez seja portanto melhor considerar a Ines uma personagem moderna e, por conseguinte, dum género “neutro”, um pouco como um homem que se permite chorar de vez em quando e que poderia confessar ter problemas com a figura paterna.
Então, aquilo que poderia parecer ser um simples conflito familiar revela-se muito para lá disso... Trata-se de um conflito de gerações?
Sim, ao situar a acção do filme na Roménia, pude sublinhar o aspecto político do conflito que se desenha entre os dois protagonistas: dum lado temos o pai que fez tudo para garantir que a filha beneficia da segurança e da independência de espírito necessários ao seu sucesso enquanto mulher adulta, e do outro, a filha que escolheu uma vida bastante distanciada dos ideais do pai e que privilegia uma carreira num meio extremamente conservador em que tudo gira em torno da rentabilidade e do lucro, ou seja, valores que ele, pai, desprezou toda a vida. A liberdade que a geração de Winfried procurou obter abriu – na verdade – a porta a um capitalismo descontrolado subjugado à livre concorrência e ao lucro. Paradoxalmente, ele soube transmitir a Ines todas as competências necessárias para alcançar o sucesso nesse mundo liberal, nomeadamente a flexibilidade, a auto-confiança e a firme crença de que não há limites. Por seu turno, Ines considera demasiado simplista o “politicamente correcto” que governa o pensamento e as atitudes de Winfried. Para a geração do pai dela, foi mais necessário do que na dela afirmar-se, para se distanciar da geração anterior. Embora, desde então, Winfried pareça viver resignado, o seu lado rebelde vai poder reemergir com as características de Toni.
Quando Ines o atira deliberadamente para uma situação que o projecta para o seio da sua actividade profissional, as velhas questões políticas assumem um cunho mais pessoal e revelam-se igualmente actuais. A sua reacção demonstra que a incerteza se implantou sob a sua visão ingenuamente humanista.
O filme é um apelo ao “deixa andar”?
Para mim, o termo “deixa andar” está demasiado próximo da palavra “abandono”, faz-me pensar logo em expressões tiradas dos livros de auto-ajuda. Mais do que um apelo ao “deixa andar”, o meu filme incentiva a que nos assumamos plenamente. Aquilo que Ines faz no fim do filme é bastante radical e é precisa uma certa dose de coragem para o fazer.
Pode parecer um bocado estranho, mas para ela é um novo recomeço: a partir daquele dia, ela será sempre a mulher que abriu a porta ao patrão vestida como veio ao mundo. Ela não se deixa nada ir; na realidade, pode até dizer-se que tomou as rédeas à situação. No final do filme, confrontamo-nos com dois personagens que souberam, amadurecer e aceitar-se tal como são. Podemos também considerar que Toni “se esconde” atrás do seu papel, como se costuma dizer, mas eu, ao invés, penso que Winfried se revela plenamente nos papéis que interpreta. Isso aplica-se particularmente na festa kukeri que é a ilustração do seu verdadeiro eu, ele é mesmo aquela criatura de grande porte, cheia de melancolia e com uma cabeça estranha.
O filme não mostra também que tudo tem um fim?
Todas as relações entre pais e filhos são feitas de rupturas. Quando se abre um novo capítulo para uma criança, isso significa – para os pais – que algo chega ao fim. Vejo isso actualmente com os meus filhos. O meu filho delira com cada centímetro que conquista, e a mim, é a melancolia que me invade. É por isso que há algumas cenas de ruptura no filme.
O Winfried tem um aluno que decide interromper os estudos, morre-lhe o cão, ele e a filha despedem-se várias vezes, sem nunca dizer adeus... O abraço do fim do filme é uma forma de transmitir essa ideia dum adeus. A máscara kukeri transforma Winfried e, durante um momento, Ines tem a sensação de se encontrar diante do seu pai de antigamente, grande e desastrado, o pai que ela conheceu quando era criança. No espaço de um instante, ela pode voltar a ser a menina que foi.
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